Quer uma alimentação saudável? Pare de focar em um alimento e preste atenção no todo

Termos problemáticos como ‘alimentação limpa’, ‘alimentos bons e ruins’ e ‘superalimentos’ não devem pautar as escolhas alimentares. Olhar para a dieta inteira pode tornar as coisas muito mais fáceis – e realmente mais saudáveis

O conceito de alimentação saudável tornou-se nebuloso nas redes sociais. Termos problemáticos como “alimentação limpa”, “alimentos bons e ruins” e “superalimentos” têm ganhado popularidade. Enquanto as pessoas estão rumo ao abismo: seis em cada 10 brasileiros têm sobrepeso ou obesidade.

Para muitos de nós, a crença de que certos alimentos são ‘bons’ ou ‘ruins’ faz parte de como pensamos sobre o que comemos. Isso geralmente está ligado à dieta e à perda de peso, mas também se aplica a crenças sobre alimentação saudável de forma mais geral. O problema é que essa atitude não funciona e também não é necessariamente verdade. Quem já tentou abrir mão de um alimento específico sabe o quão difícil pode ser. Proibir algo aumenta a probabilidade de querer comer mais. E, assim que houver a ingestão do alimento proibido, o paciente sentirá que ‘falhou’. Então, isto pode levá-lo a desistir completamente de todas as mudanças saudáveis que fez. Esses juízos de valor que são colocados nos alimentos podem embaralhar a cabeça das pessoas.

“Alimentação limpa”

Um termo sensacionalista que afasta as pessoas de um padrão alimentar saudável é “alimentação limpa”, frequentemente usado para descrever uma dieta saudável, sem ingredientes artificiais ou sem alimentos processados. O problema é que o conceito geralmente vem com uma longa lista de alimentos e grupos alimentares que são permitidos ou não. Comer ‘limpo’ sugere que alguns alimentos são ‘sujos’ e que pessoas que ‘comem limpo’ são melhores e mais disciplinadas do que outras. Não há uma definição aceita para o que é alimentação limpa, então informações sobre o que conta como ‘comida limpa’ podem ser confusas e contraditórias. Mas é importante pontuar que não existe uma dieta única que sirva para todos, e todos nós temos alguns dias mais saudáveis do que outros. A ideia de uma alimentação ‘o mais natural possível’ é mais vantajosa porque não exclui e nem demoniza alimentos.

Mudar a mentalidade e olhar para a dieta inteira pode tornar as coisas muito mais fáceis. Comer muitas frutas e vegetais é ótimo, mas ainda assim será preciso incluir carboidratos ricos em amido, proteínas e gorduras insaturadas para obter todos os nutrientes necessários e se sentir satisfeito com suas refeições. O excesso de frutas enche o corpo de fibras e antioxidantes importantes, mas não cobrirá a falta de outros nutrientes. O equilíbrio e a variedade são fundamentais. Então, eu sempre digo: tenha uma alimentação diversificada, equilibrada e o mais natural possível. É claro que essa é a base, mas comer um doce também pode ser saudável. E não nos afasta de uma alimentação limpa. “Coma tudo com moderação” é uma frase muito usada quando se trata de alimentação saudável, e é um lembrete de que não há alimentos que você tenha que se afastar completamente.

Alimentos ricos em gordura saturada

Ainda assim, é verdade que precisamos mais de alguns grupos alimentares do que de outros. Por exemplo, devemos consumir com moderação os alimentos ricos em gordura saturada, açucarados e salgados (como bolos, biscoitos, chocolate, salgadinhos e ketchup). Mas isso não quer dizer que não devemos comê-los ou que são ‘ruins’ ou ‘sujos’. Na verdade, são uma parte não essencial da dieta e não precisamos incluí-los como parte do nosso padrão alimentar regular, diário. Embora esses alimentos possam não ser necessários para nossos corpos para uma boa saúde, são alimentos que gostamos e desempenham um papel no prazer e nos aspectos sociais da alimentação. Então, quando são ingeridos, não podem ser vistos como uma ‘trapaça’ ou algo pelo qual o paciente precise se sentir culpado.

E também existem melhores escolhas dentro de cada grupo, por exemplo, proteínas magras como peixes e aves, laticínios com baixo teor de gordura ou carboidratos ricos em fibras e ricos em amido de grãos integrais. Esses devem fazer parte da rotina.

Superalimentos

E, na hora de escolher o que incluir na dieta, cuidado também para não cair no papo dos ‘superalimentos’. Chia, espirulina, couve, goji berry, avocado, nozes, psyllium, açafrão, vinagre de maçã e até mesmo brócolis são apenas alguns dos alimentos que ganharam esse status, levando muitos a acreditar que devem ter um lugar especial nas dietas. Mas, apesar de poderem ser incluídos com mais frequência na alimentação, não há evidências científicas de que esses alimentos possuem propriedades milagrosas.

É interessante notar que há um fator ‘moda’ que incluí alguns alimentos como tendência. Por isso, sempre surge a lista dos ‘superalimentos’ de cada ano, similar à troca de tendências em roupas em cada estação. Alimentos ou nutrientes isolados não são uma maneira útil de olhar para os alimentos. Foi demonstrado que esses alimentos têm propriedades que são equivalentes às dos alimentos mais comuns de origem vegetal, mas, mais uma vez, a variedade da dieta fala mais alto: o que importa é a base da dieta em geral e que essa base seja de origem vegetal.

Dieta saudável e balanceada

Embora geralmente não haja mal algum em experimentar esses alimentos (que muitas vezes têm preço mais alto), eles não são uma parte essencial da dieta. Isso significa que um paciente que não gosta de couve, não deve se preocupar: ele pode experimentar outros vegetais verdes da mesma família, como repolho, espinafre ou brócolis. Da mesma forma, incluir uma variedade de frutas em sua dieta provavelmente será mais benéfico do que comer goji berry todos os dias. Cúrcuma e outros temperos são ótimas maneiras de dar sabor à culinária, mas você não precisa tomá-los como suplementos. Em vez disso, concentre-se em ter uma dieta saudável e balanceada, com muitas frutas e vegetais, grãos integrais, leguminosas, peixes e azeite de oliva.

Pequenas mudanças

Essa abordagem mais flexível e moderada à alimentação pode não parecer extrema o suficiente para fazer a diferença, mas o segredo para um padrão alimentar mais saudável é a consistência. Pequenas mudanças podem se somar para fazer uma grande diferença ao longo do tempo. Permitir a si mesmo maior liberdade para acomodar seus gostos e seu estilo de vida ao escolher suas refeições provavelmente será mais bem-sucedido a longo prazo. Concentre-se nos grupos alimentares dos quais você precisa comer mais e atingir um equilíbrio saudável, mas dê a si mesmo a flexibilidade de incluir todos os alimentos. E em vez de seguir desafios de ’30 dias sem açúcar’ dos influenciadores, que tal pensar em ‘30 dias consumindo mais frutas no café da manhã’?

 

FONTE: DRA. MARCELLA GARCEZ – Médica Nutróloga, Mestre em Ciências da Saúde pela Escola de Medicina da PUCPR, Diretora da Associação Brasileira de Nutrologia e Docente do Curso Nacional de Nutrologia da ABRAN. A médica é Membro da Câmara Técnica de Nutrologia do CRMPR, Coordenadora da Liga Acadêmica de Nutrologia do Paraná e Pesquisadora em Suplementos Alimentares no Serviço de Nutrologia do Hospital do Servidor Público de São Paulo. Além disso, é membro da Sociedade Brasileira de Medicina Estética e da Sociedade Brasileira para o Estudo do Envelhecimento. Instagram: @dra.marcellagarcez