A doença COVID-19 é capaz de deixar sequelas de sintomas intrigantes, como fadiga ou dificuldades de concentração, mas os médicos e pesquisadores também estão preocupados com outra sequela muito familiar: diabetes tipo 2. Um estudo publicado no final de março afirma que pacientes recuperados da doença tem, sim, um risco aumentado de desenvolver diabetes.
“Diabetes é um termo genérico para várias condições que envolvem níveis elevados de açúcar no sangue. Ela pode ocorrer devido a defeitos na secreção ou na ação do hormônio insulina, que é produzido no pâncreas, pelas chamadas células beta. A função principal da insulina é promover a entrada de glicose para as células do organismo de forma que ela possa ser aproveitada para as diversas atividades celulares. A falta da insulina ou um defeito na sua ação resulta, portanto, em acúmulo de glicose no sangue, o que chamamos de hiperglicemia. A condição, quando não controlada, pode trazer consequências negativas para a visão, rins, coração, nervos e membros inferiores, além de provocar desidratação, dificuldade de cicatrização e complicações respiratórias”, explica a médica nutróloga Dra. Marcella Garcez, diretora e professora da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN). “Dado o grande e crescente número de pessoas infectadas com COVID-19 (> 450 milhões de pessoas em todo o mundo em 15 de março de 2022), esses números absolutos podem se traduzir em ônus substanciais no nível geral da população e podem sobrecarregar ainda mais os sistemas de saúde já sobrecarregados. Governos e sistemas de saúde em todo o mundo devem estar preparados para rastrear e gerenciar as sequelas glicometabólicas do COVID-19”, acrescenta a médica.
Segundo o estudo, na fase pós-aguda da doença, os pacientes exibiram um risco aumentado em desenvolver diabetes. Os riscos e os encargos dos resultados pós-agudos aumentaram de forma gradual de acordo com a gravidade da fase aguda do COVID-19 (se os pacientes não foram hospitalizados ou admitidos em terapia intensiva).
“As análises do estudo sugerem que a relação entre COVID-19 e diabetes exibiu uma associação gradual de acordo com o risco basal de diabetes, sugerindo que o diabetes pode se manifestar em pessoas com baixo risco (comparado com controles), e o COVID-19 provavelmente poderia amplificar os riscos de linha de base e acelerar ainda mais a manifestação da doença entre indivíduos já em alto risco”, diz a médica. “Os cuidados pós-agudos com COVID-19 devem envolver a identificação e o manejo do diabetes, com melhora do padrão alimentar, prática frequente de atividade física, além de evitar vícios como álcool e tabagismo, além de acompanhamento médico e exames de sangue para fazer a triagem e gerenciamento da doença assim que ela for identificada”, explica a médica.
O estudo envolveu 181.280 pessoas com COVID-19, 4.118.441 controles contemporâneos (pessoas que não se infectaram). Os resultados sugerem que, além dos primeiros 30 dias de infecção, os sobreviventes de COVID-19 exibiram maiores riscos e cargas de diabetes incidente e uso de anti-hiperglicêmicos – medicamentos que reduzem a toxicidade da glicose. Segundo o estudo, pessoas com mais de 65 anos apresentaram maiores riscos do que aquelas com menos de 65 anos; comparados aos pacientes brancos, os negros também têm mais riscos. Pacientes que já tinham uma comorbidade, como doença cardiovascular, hipertensão, hiperlipidemia ou pré-diabetes, estão entre o grupo com maior probabilidade de desenvolver diabetes.
Os mecanismos que sustentam a associação entre COVID-19 e risco de diabetes não são totalmente claros. “Vários tipos de células pancreáticas expressam três proteínas (proteína receptora da enzima conversora de angiotensina 2, proteína da enzima TMPRSS2 e neuropilina 1) das quais o SARS-CoV-2, vírus causador da COVID-19, depende para sua entrada nas células humanas. Evidências sugerem que o SARS-CoV-2 pode infectar e se replicar em células beta pancreáticas produtoras de insulina, resultando em produção e secreção prejudicadas de insulina. No entanto, ilhotas pancreáticas humanas infectadas in vitro com SARS-CoV-2 exibem perturbações celulares modestas e respostas inflamatórias amplamente não citopáticas – sugerindo que a infecção direta das células pancreáticas é – por si só – improvável de explicar completamente o novo início do diabetes em pessoas com COVID-19.
Outras explicações potenciais incluem disfunção autonômica, resposta imune hiperativada ou autoimunidade e inflamação persistente de baixo grau que leva à resistência à insulina”, explica a médica. Também é possível, segundo o estudo, que as pessoas com COVID-19 tenham experimentado de forma diferenciada algumas das mudanças contextuais mais amplas (sociais, econômicas, ambientais e outras) que caracterizaram a pandemia e que podem ter contribuído indiretamente para moldar os resultados avaliados no trabalho.
Segundo a médica nutróloga, a orientação para pacientes recuperados de COVID-19 é adequar a dieta, consumindo mais carboidratos complexos, aqueles que têm maior quantidade de fibras, proteínas e gorduras saudáveis, nutrientes responsáveis por diminuir os picos de glicose no sangue; além disso, os micronutrientes também são indicados, principalmente as vitaminas e minerais com atividades antioxidantes, responsáveis por combater os radicais livres induzidos pelo excesso de açúcar no sangue. “Praticar atividade física também é aconselhável, já que o exercício é capaz de aumentar a sensibilidade à insulina nas células do corpo, o que se traduz em benefícios para o organismo na medida em que, quando uma pessoa se exercita, é preciso menos insulina para manter os níveis de açúcar no sangue sob controle”, finaliza a médica.
Fonte: assessoria de imprensa