Inovações na gestão de desperdício de alimentos em indústrias de serviços alimentícios

Recentemente, mais especificamente no dia 29 de setembro de 2020, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) marcou o 1º Dia Internacional de Conscientização Sobre Perda e Desperdício de Alimentos. Em um estudo publicado, a FAO apontou que, enquanto 821 milhões de pessoas passam fome no mundo, um terço dos alimentos produzidos são desperdiçados diariamente.

Esta foi uma boa oportunidade para enfatizar a importância em reduzir o desperdício de alimentos (food waste) como um desafio de sustentabilidade chave para a indústria de hospitalidade e serviços de alimentação. O desperdício de comida simboliza um sistema insustentável de produção e consumo de alimentos. Um relatório recente do Boston Consulting Group (BCG) calcula que a quantidade de alimentos desperdiçados a cada ano aumentará um terço até 2030, “quando 2,1 bilhões de toneladas serão perdidas ou jogadas fora, o equivalente a 66 toneladas por segundo”.

A questão é: reduzir a perda de alimentos é um desafio global e multidimensional, então o que a indústria de serviços alimentícios pode fazer especificamente para estar mais consciente de seu papel na cadeia de valor alimentar? Um fator muito interessante é que, o desperdício de alimentos parece ser maior nos países desenvolvidos, enquanto, por outro lado, há cerca de 842 milhões de pessoas nos países pobres passando fome crônica. De acordo com a Oxfam , a atual pandemia agravou a crise de fome e “até o final do ano, 12.000 pessoas por dia podem morrer de fome associada ao COVID-19, potencialmente mais do que morrerão da própria doença”.

Dez países encabeçam a lista de pontos de fome, entre eles a Venezuela, Síria, Haiti e Afeganistão. Alguns deles fazem parte da somatória desse estudo, representando 65% das pessoas que vivem em situação em crise de fome. De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o desperdício de comida é definido como algum alimento que é próprio para consumo, mas descartado por escolha daquele consumidor ou porque acabou estragando por falta de consumo ou expirou o seu prazo de validade, com ‘alimento’ referindo-se a “processados, produtos semiacabados comestíveis ou crus destinados propriamente ao consumo humano.”

A perda e o desperdício de alimentos ocorrem em cada estágio da cadeia de valor alimentar global, desde a produção agrícola até o consumo final. A produção de alimentos está ligada à conversão de terras e perda de biodiversidade, consumo de energia, emissões de gases de efeito estufa, uso de água e pesticidas. Nas etapas de pós-colheita e processamento, também ocorrem resíduos em cada etapa durante a transportação, armazenamento, processamento e distribuição. No final da cadeia de valor alimentar, o consumo final (incluindo comercial e doméstico) é responsável por até 40% das perdas totais de alimentos. As evidências mostram que, nos países desenvolvidos, os alimentos são desperdiçados principalmente na fase de consumo final da cadeia de abastecimento.

A gestão de desperdício de comida (FW) tornou-se, assim, uma prioridade fundamental, referindo-se a todas as atividades relacionadas com a prevenção, redução ou reciclagem de resíduos ao longo da cadeia de produção e consumo. Isso levanta uma importante questão de que, se o desperdício de alimentos também poderia ser reduzido ao longo das cadeias de abastecimento de alimentos.

Tais movimentações ocorrem no mundo do turismo. Como uma indústria global de serviços de alimentação, o turismo está implicado no consumo de alimentos e na geração de resíduos. Os serviços de alimentação ao consumidor incluem restaurantes, redes de fast food, cafés, cafeterias, cantinas e refeitórios. Este setor emprega mais pessoas do que qualquer outro negócio de varejo, incluindo 14 milhões nos EUA e 8 milhões na Europa ( Euromonitor International ) e serve bilhões de refeições todos os anos. Segundo um levantamento feito pela empresa alemã especializada em dados de mercados e consumidores, a Statista , em 2019, a despesa média com alimentação fora de casa das famílias dos EUA totalizou cerca de 3.526 dólares americanos, em comparação com 2.505 dólares em 2010. Portanto, a atividade do turismo alimentício tem um papel crítico no desafio food waste a nível global.

O FW deve ser abordado como um desafio multidimensional em que diferentes atores da cadeia de valor alimentar desempenham um papel decisivo na integração das inovações que visam a minimização e gestão do FW. Algumas metodologias poderiam ser adotadas durante o processo para evitarmos o desperdício de alimentos. Produtores poderiam buscar colaboração com fazendeiros locais, por exemplo, o abastecimento local pode aumentar a redução de desperdício transformando, automaticamente, em ração animal.

Estamos vivendo mundialmente em um período delicado por conta da Covid-19 e devemos pensar seriamente sobre desperdício de alimentos, quando o retorno às atividades diárias acontecerem, ao escritório e outras funções. O que poderia ser feito para que pudéssemos repensar em melhorias sobre a destinação adequada de comida ou o que os fornecedores de alimentos e comidas, por exemplo, podem implementar sobre inovações com base em uma análise de economia de custos.

Os profissionais da indústria de alimentos enfrentam uma série de desafios organizacionais e financeiros de maneira diária, relacionados à separação, armazenamento e descarte de resíduos, e eles contam principalmente com os procedimentos padrões de reciclagem disponibilizados por cada conselho local. Tais profissionais tendem a abordar a redução de resíduos de maneira prática e também baseada na experiência, mas não há uma implementação sistemática de estratégias de redução de resíduos com base em formas de conhecimento institucional. O que eles realmente precisam é de treinamento adequado e metas alcançáveis ​​a serem estabelecidas pelos governos.

Uma informação importante é que muitas empresas não estão inovando ativamente no domínio dos resíduos. No entanto, eles estão cada vez mais conscientes da importância econômica e social da gestão desses materiais. A indústria de comida não está liderando o caminho quando se trata de inovação. Existem apenas alguns restaurantes com pouco ou nenhum desperdício e apenas alguns chefs de cozinha que estão criando refeições a partir de restos de comida.

Grande parte desse ciclo poderia, simplesmente, ocorrer de algumas formas. Fornecedores criarem parcerias com outros fornecedores que estão prontos para participarem de iniciativas sustentáveis ​​(por exemplo, fornecedores de petróleo que coletam óleo usado). Varejistas comercializarem um protocolo fora das especificações que considere a redução do desperdício de comida, por exemplo, adquirir produtos imperfeitos ou fora de qualidade antes de serem jogados fora.

A possibilidade de funcionários seniores fornecendo treinamento para gerenciamento de estoque de compras, planejamento de produção e planejamento de cardápio e serviço. Os consumidores, por sua vez, redobrarem a conscientização, principalmente, em refeições realizadas fora de casa (almoço e jantar) que são mais propensas ao desperdício.

Também há plataformas colaborativas que nada mais são do que parcerias com outros parceiros que recuperam e doam alimentos ou entidades que aceitem esse tipo de ganho. E por fim, não menos importante, provedores de tecnologia: restaurantes de alimentação de dados com informações sobre desperdício.

Tais aprimoramentos e soluções serão eficazes para o retorno das atividades em cem por cento quando vencermos a Covid-19. A reeducação alimentar vai muito além do que ingerimos, mas sim, a quantidade em que consumimos para que não ocorra, em grande escala, o desperdício que enfrentamos há décadas. Sejamos conscientizadores de todas as pessoas que estão ao nosso redor e multiplicadores de informações para combatermos dois maus de uma vez só: a pandemia e a comida jogada no lixo.

Não podemos esquecer o serviço de alimentação como uma atividade de trabalho intensivo onde a inovação tende a ser lenta, porém, pode se beneficiar de outras empresas e instituições que compartilham conhecimentos, percepções e experiências, ajudando a indústria a entrar no caminho certo para atingir a meta de reduzir o desperdício de alimentos pela metade até 2030.

 

* Dr. Carlos Martins-Rios é Professor Associado da EHL Advisory Services