“Açúcar em excesso faz mal”, já diziam nossas avós. O consumo em excesso pode causar cárie, diabetes, obesidade, entre outras doenças. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o consumo diário de 25 a 50 gramas de açúcar (sacarose) por dia. O brasileiro consome em média 150 gramas diariamente e atente-se para o fato de que o açúcar não é somente aquele que colocamos na xícara de café: é o que está presente em qualquer alimento ou bebida que consumimos. Infelizmente, ainda não temos o hábito de checar o rótulo e verificar o quanto de açúcar contém em um pacotinho ou em uma garrafinha.
O endocrinologista americano Robert Lustig, escritor de alguns artigos e livros sobre o tema, defende que o açúcar é uma toxina, um veneno. Segundo ele, o açúcar causa dependência e deve ser encarado como um problema em relação à saúde. Ainda nesta mesma linha, o português Ricardo Silvestre, especialista em fisiologia e metabolismo do corpo, acredita que podemos absorver a energia necessária ao organismo consumindo fibras, vitaminas e açúcares naturais.
Diante de tantos argumentos, fica difícil não imaginarmos o tão famigerado açúcar como o vilão de toda a história, porém, não vamos colocá-lo somente como culpado: é fato também que precisamos do açúcar em nosso organismo. A glicose é o nosso combustível essencial e necessitamos de uma dose constante dela em nosso cérebro para que os neurônios funcionem. O açúcar nos traz energia e produz serotonina (que nos ajuda a regular o sono e o humor), ou seja, nos traz alegria. Contém também ácido glicólico para renovação das células da pele e é um elemento construtivo para a estrutura física dos seres vivos.
O açúcar adoça nossas receitas, equilibra a acidez ou o amargor, tem um papel importante também como conservante de alimentos (roubando a água dos microorganismos), além daquela coloração dourada linda, reação de Maillard. Tem também poder anticongelante, atua como amaciador e acelera a fermentação por prover nutrientes às leveduras. Além do mais, é importante ressaltar que algumas receitas clássicas da confeitaria precisam do açúcar. Por exemplo: no método cremoso para produção de um bolo, batemos o açúcar com a gordura, então, o ar é aprisionado nos cristais de açúcar e cobertos pela gordura, conferindo mais fofura para a produção. O açúcar também retarda a coagulação dos ovos, aumentando o ponto de fusão. Na clara em neve, o açúcar é essencial para estabilizar a espuma. Submetendo-o ao calor e à umidade, chegamos às balas moles, médias, duras, ao ponto quebradiço, ao caramelo e a tantas outras derivações.
A questão: uma sobremesa precisa ser tão doce? Faço doces desde os 10 anos, sempre amei a confeitaria e comecei como muitos, fazendo bolos caseiros e brigadeiros. Mas sempre me incomodou a proporção de açúcar utilizada por nós, brasileiros. Carregamos a herança portuguesa dos doces conventuais, das conservas e compotas, nas quais o açúcar tem um papel fundamental. E pensar que ele tenha começado como especiaria ou até como medicamento.
Gosto muito de doce, mas o doce muito doce esconde o ingrediente principal, rouba a cena do protagonista. Vivi durante dois anos na França e tive uma experiência muito forte quanto às nossas preparações clássicas brasileiras: brigadeiro, cocada e quindim. Enfim, produzi vários doces brasileiros e pedi para algumas francesas degustarem e darem suas opiniões. A maioria rejeitou as sobremesas, declarou serem muito doces. A região em que morei preserva a tradição e a utilização da maçã em várias preparações. O ingrediente principal é a maçã e não o açúcar.
Aqui no Brasil, os ingredientes principais de uma boa parte das preparações são o açúcar e o leite condensado – este que inicialmente nasce por um método de conservação e manutenção para transporte, para ser diluído e utilizado como leite e transforma-se em uma paixão nacional. Quem poderia imaginar que muita gente tomaria leite condensado puro direto da latinha?
Em contrapartida, nota-se que muitas pessoas buscam substituir o açúcar refinado (processo químico, com adição de enxofre) por outros açúcares: mascavo (passa por um pequeno refinamento, mas mantém qualidades nutricionais); orgânico (elimina o risco do consumo de residual de adubos ou fertilizantes); açúcar de coco (possui compostos químicos e preserva ferro, potássio, magnésio, zinco e vitaminas, além de possuir baixo índice glicêmico. Mas pode trazer um gosto residual muitas vezes não desejado para a produção); mel (de origem natural, do néctar das flores); frutose (extraída das frutas, adoça 30 vezes mais que o açúcar refinado); açúcar light (quando há restrição de gordura); açúcar diet e sucralose (ideal para diabéticos); glicose (dextrose ou glucose, encontradas no mel e no milho, que retardam a cristalização do açúcar, trazem brilho, umidade e aumentam a conservação do doce); manitol (originário de algas e cogumelos); xilitol (originário de frutas e legumes, que também ajuda na redução da placa bacteriana e cárie); sorbitol (originário do fruto da tramazeira e de outras frutas, possui somente 2,6 cal/g); e o isomalte (feito a partir da sacarose, com 2 cal/g e 65% de poder adoçante maior do que a própria sacarose).
Hoje em dia existem numerosas opções no mercado. O ponto-chave é: tudo vai depender do que você irá preparar e do resultado que pretende obter, porém, ainda assim, acredito que o melhor caminho seja o controle da quantidade de açúcar, mais do que a substituição. Então, aqui vai meu apelo: assim como sempre o faço nas aulas que ministro: deem chocolate meio amargo para as crianças, ensinem-nas a beberem o suco natural da fruta, sem adoçá-lo, evitem as guloseimas manufaturadas, façam caramelos e biscoitos caseiros. Façam os doces com o açúcar necessário para atingir a melhor produção, mantenham um equilíbrio, controlem o consumo do açúcar e suas vidas serão simples e naturalmente doces.
Por Debora C. Hilsdorf Miracca, chef (1/11/2018)
Leia também
Alto consumo de açúcar pode estar relacionado ao desenvolvimento acelerado das células cancerígenas