Recentemente, um estudo brasileiro mostrou que os peixes da região amazônica não estão próprios para consumo, por ultrapassarem o limite permitido de concentração de mercúrio – um metal que, se ingerido por humanos, pode se concentrar no sistema nervoso central e causar também danos neurológicos, cardiovasculares e renais. Mas além dos peixes frescos, a sardinha e o atum enlatado também podem apresentar riscos de contaminação por mercúrio se forem conservados em água.
“Existem diferenças entre o atum enlatado com água e em óleo. O atum em óleo pode ser uma boa opção, pois quando o peixe é enlatado com água, se houver metais como o mercúrio, eles ficam depositados na carne. A opção em óleo é a ideal, já que as eventuais toxinas estarão no óleo, que deve ser descartado antes do consumo da carne”, explica a médica nutróloga Dra. Marcella Garcez, diretora e professora da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN). Isso acontece pois os metais pesados são lipofílicos, ou seja, têm afinidade pela gordura: se os peixes forem conservados em água, os metais se acumulam na gordura do peixe; na outra opção, eles se acumulam no óleo da conserva que será descartado. “Os dois tipos, em óleo ou água, podem conter grande quantidade de sódio. Por isso, é importante se atentar aos rótulos e não exagerar nas quantidades”, pondera a médica.
De acordo com a médica nutróloga, existe uma portaria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que estabelece as quantidades máximas de mercúrio por quilo de peixe predador e não predador, que podem ser encontradas nesses pescados. “Se essas concentrações máximas não forem respeitadas ou não forem fiscalizadas, o consumo desses pescados pode causar malefícios à saúde da população que os consome com frequência”, alerta a médica nutróloga. Como o mercúrio é um metal pesado que tem a capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica e placentária, o consumo excessivo desta toxina pode causar danos à pessoa que o consome e, no caso das gestantes expostas a esse metal pesado, gerar complicações para o período gestacional, desde abortamento até malformação neurológica no bebê em formação, de acordo com a Dra. Marcella.
Segundo a médica nefrologista Dra. Caroline Reigada, especialista em Medicina Interna pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e em Nefrologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o mercúrio também está associado à lesão e morte celular, o que acontece no coração e nos rins. “Há mais estresse oxidativo e mais radicais de hidróxido e isso leva à morte celular”, diz a médica. “Existe uma doença chamada glomerulopatia membranosa, que é a perda de proteína em excesso pelos rins associada à intoxicação por mercúrio. É uma nefropatia membranosa, que pode estar associada à intoxicação por mercúrio, mas o dano mais importante é o neurológico que o mercúrio causa”, diz a Dra. Caroline Reigada.
A nefrologista conta que o primeiro episódio de intoxicação por mercúrio foi em 1952 em uma família na Suécia, que consumiu farinha de grãos que foram tratados inadvertidamente com metilmercúrio. “A mãe que ingeriu isso deu à luz a duas crianças com deficiências intelectuais e com graves problemas motores. Foi o primeiro caso descrito de exposição congenital a metilmercúrio”, diz a Dra. Caroline. Ela relembra o caso clássico do desastre de Minamata, cidade japonesa em que houve envenenamento por metilmercúrio causado por uma indústria produtora de acetaldeído. “Os resíduos de mercúrio jogados na baía de Minamata contaminaram os peixes da baía, então a população teve um comprometimento na alimentação, pois tinha uma dieta rica em pescados. E a partir de 1955, começaram a nascer as crianças com muitos distúrbios neurológicos por conta das mães que se contaminaram durante a gestação”, destaca a Dra. Caroline Reigada.
No caso das crianças infectadas, a nefrologista conta que elas podem ter problemas visuais, dificuldade para articular as palavras, diminuição auditiva, com consequente diminuição do desenvolvimento psicomotor. “No adulto, isso pode ser confundido com sintomas de Parkinson e Alzheimer, pode dar também dificuldades de coordenação, distúrbios visuais e auditivos. No sistema cardiovascular, existe uma maior incidência por infarto e doença coronariana em pacientes que foram contaminados por peixes que tinham alta concentração de mercúrio”, diz a médica Dra. Caroline. “É importante ressaltar que esse é um contaminante ambiental e está associado a desfecho na saúde a longo prazo; quando afeta crianças, a longo prazo elas podem ter dificuldade de aprendizado e baixo QI”, explica.
Para quem consome muitos pescados e são expostos a concentrações maiores de mercúrio, a médica nutróloga destaca que a exposição ao mercúrio pode levar a intoxicação, que pode ter sintomas desde leves, como tremores, sonolências, náuseas, cefaleias, fraqueza muscular e queixas de memória. “Em casos de intoxicação por mercúrio em concentrações maiores em pessoas que têm uma saúde mais debilitada, isso pode levar ao mal funcionamento de rins, fígado e pulmão e sistema nervoso particularmente, que pode agravar problemas de saúde já existentes ou desencadear alterações ou doenças crônicas de saúde degenerativas, particularmente neurológicas, que podem inclusive colocar a vida em risco”, finaliza a Dra. Marcella.
Fontes
*Dra. Marcella Garcez: Médica Nutróloga, Mestre em Ciências da Saúde pela Escola de Medicina da PUCPR, Diretora da Associação Brasileira de Nutrologia e Docente do Curso Nacional de Nutrologia da ABRAN. A médica é Membro da Câmara Técnica de Nutrologia do CRMPR, Coordenadora da Liga Acadêmica de Nutrologia do Paraná e Pesquisadora em Suplementos Alimentares no Serviço de Nutrologia do Hospital do Servidor Público de São Paulo. Além disso, é membro da Sociedade Brasileira de Medicina Estética e da Sociedade Brasileira para o Estudo do Envelhecimento. Instagram: @dra.marcellagarcez
*Dra. Caroline Reigada: Médica nefrologista, especialista em Medicina Interna pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e em Nefrologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. A médica é especialista em Medicina Intensiva pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira. Formada pela Faculdade de Medicina da Universidade de Santo Amaro, a Dra. Caroline Reigada participa periodicamente de cursos e congressos, além de ter publicado uma série de trabalhos científicos premiados. Participou do curso “The Brigham Renal Board Review Course” em Harvard. Atualmente é médica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Instagram: @dracaroline.reigada.nefro