Com crescimento da obesidade no mundo, novos medicamentos podem equilibrar a balança?

Destaques
* Há apenas 10 anos, a obesidade foi considerada uma doença.
* Alvo constante de charlatões, a obesidade não advém da falta de força de vontade, tem tratamento difícil e merece acompanhamento médico.
* Medicamentos na grande maioria das vezes são necessários, mas o tratamento deve ser individualizado e seriamente acompanhando por um médico sem nunca esquecer das mudanças de estilo de vida. 

Estamos diante de uma nova era na luta contra a obesidade, com surgimento de novos medicamentos para perda de peso, em um grande avanço da ciência, mas antes que o otimismo ultrapasse a realidade, será que a medicalização da obesidade pode encerrar definitivamente a epidemia de obesidade no mundo?

“A obesidade é um grande problema de saúde pública e muitos pacientes, mesmo com dieta e mudança no estilo de vida, não conseguem chegar no peso ideal por questões genéticas. Dessa forma, os medicamentos podem ser grandes aliados. Nesses casos, a genética é soberana, então não existe cura. A vida inteira alguns pacientes precisarão de tratamento. Não necessariamente a vida inteira de medicação, mas acompanhamento médico, nutricional, psicológico, se for o caso, de terapia alternativa”, explica a Dra. Deborah Beranger, endocrinologista, com pós-graduação em Endocrinologia e Metabologia pela Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (SCMRJ).

A Dra. Deborah Beranger, que é especialista nesse tipo de tratamento e tem cursos de extensão em Obesidade pela Harvard Medical School, explica que genética, alimentos ultraprocessados, distorção de porções, bebidas açucaradas, tempo de tela, dependência alimentar, microbiota intestinal, cultura de dieta, estigma de peso, insegurança alimentar, enfim, muita coisa impacta na atual epidemia de obesidade vista no mundo. “Mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo têm obesidade e muitas outras estão acima do peso”, diz a médica.

A obesidade, lucrativa para a indústria de alimentos, alvo de charlatanismo constante, e erroneamente atribuída à falta de força de vontade, tem um histórico recente como doença. Apenas em 2013, a American Medical Association, uma das organizações médicas mais influentes do mundo, decidiu classificá-la como doença. De lá para cá, nem tudo foram flores: a condição permaneceu na seara dos charlatões e de maus profissionais, principalmente com o avanço das redes sociais, que fez surgir um número infindável de perfis que dão dicas restritivas para o emagrecimento e estimulam a compulsão.

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A Dra. Deborah explica que o estudo da obesidade avançou muito nos últimos anos. “No entanto, até agora, a Medicina teve pouco a oferecer. De dinitrofenol (catarata e hipertermia fatal) e fenfluramina-fentermina (doença cardíaca valvular) a orlistate (vazamento fecal), medicamentos promissores para perda de peso foram retirados ou evitados devido a efeitos adversos. A cirurgia bariátrica tornou-se rotina, mas não é benigna nem universalmente eficaz”, explica a endocrinologista. “O ciclo de peso sobrecarregava corpos e mentes, com distúrbios alimentares emergentes atribuídos a episódios repetidos de restrição calórica e recuperação do apetite. Os médicos imploravam aos pacientes que perdessem peso, mas ofereciam poucas ferramentas eficazes”, esclarece a médica.

Em 2023, a World Obesity Foundation previu que o impacto econômico global do sobrepeso e da obesidade chegará a US$ 4,32 trilhões até 2035 – se as tendências atuais continuarem. “O custo pessoal também é enorme. Ao contrário de muitas doenças crônicas, a obesidade é visível. As pessoas tentam de tudo para perder peso – dietas, programas de perda de peso e exercícios, psicoterapia, aparelhos e cirurgias. O sentimento de falhar gera maior estresse, ansiedade e problemas de saúde mental. A Medicina também teve de olhar com maior empatia para esse paciente que é discriminado e sofre com a culpa pessoal, muitas vezes atribuída pela sociedade”, diz a Dra. Deborah. Aos poucos, os médicos foram incorporando dicas práticas para tentar melhorar a saúde dos pacientes.

Mas agora chegou o momento da medicalização da obesidade. “Os neurocientistas mapearam os circuitos cerebrais de fome e saciedade de neurônios geneticamente definidos cuja ativação pode promover ou inibir a alimentação em animais. Desvendar a biologia do peptídeo 1 semelhante ao glucagon (GLP-1) permitiu o desenvolvimento de agonistas do receptor de GLP-1, inicialmente para tratar o diabetes tipo 2, mas agora revolucionando o tratamento da obesidade. Ao retardar o esvaziamento gástrico e promover e prolongar os sinais de saciedade do intestino ao cérebro, essas drogas provocam uma perda de peso impressionante”, diz a médica. “O apetite diminui, a saciedade aumenta e os quilos aparentemente desaparecem”, completa.

Em relação ao custo, apesar do investimento inicial ser alto, a longo prazo, com a redução de peso, há uma redução com as medicações de doenças caudadas pela obesidade, segundo a médica. “Com isso, vemos a economia a longo prazo. Podemos reduzir medicações para hipertensão, colesterol, antidepressivo, entre outros”, explica a endocrinologista. A Dra. Deborah ainda destaca que a medicação para obesidade é para a vida toda. “O efeito rebote acontece pela doença ser crônica. Claro que se parar a medicação, o peso é recuperado, já que a doença é crônica e não deixa de evoluir. Por isso, é muito importante entender que esse é um tratamento para a vida toda.

A médica ressalta que pela primeira vez existem tratamentos eficazes contra a obesidade. “Os esforços de prevenção que tratam de todos os fatores que contribuem para a obesidade devem ser reforçados, e não abandonados, para garantir que a próxima geração não precise de medicação vitalícia para manter a saúde metabólica. O estilo de vida do paciente também precisa ser alterado, com a introdução de bons hábitos de sono, atividade física e alimentação para que o resultado se estenda”, diz a médica.

“Precisamos enfatizar muito o acompanhando médico e sem automedicação, pois esse é o maior perigo. Novos análogos, Monjauro e Wegovy, que são ainda mais potentes, serão lançados em 2024 no Brasil e já são comercializados em 2023 na Europa e Estados Unidos. Essas medicações novas têm o benefício de reduzir gordura visceral e com isso diminuir o risco de infarto e AVC que são as principais causas de morte em quem tem sobrepeso e obesidade”, finaliza a médica.    

Fonte: *Dra. Deborah Beranger – Endocrinologista, com pós-graduação em Endocrinologia e Metabologia pela Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (SCMRJ) e pós-graduação em Terapia Intensiva na Faculdade Redentor/AMIB. Com cursos de extensão em Obesidade, Transtornos Alimentares e Transgêneros pela Harvard Medical School, a médica tem MBAs de Saúde e Qualidade de Vida, de Marketing e Branding Médico e de Mindset, todos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), e curso de Obesidade e de imersão em Medicina Culinária pela Universidade de Campinas (UNICAMP). Fez Fellowship pela European Association for the Study of Obesity, em Portugal; é speaker dos laboratórios Servier, Novo Nordisk, Novartis, Merck, AstraZeneca, Lilly e Boehringer. Instagram: @deborahberanger