O papel do intestino na saúde geral e na forma como envelhecemos vem sendo estudado há alguns anos, de forma que manter a microbiota saudável é apontada como uma estratégia interessante para evitar e combater doenças degenerativas. Agora, pesquisadores do Japão descobriram que as fibras solúveis, capazes de estimular o crescimento de boas bactérias no intestino, podem reduzir o risco de demência quando presentes na dieta.
“Quando pensamos em seguir uma dieta saudável, geralmente nos fixamos no que não deveríamos comer ou então diminuir as porções. Uma estratégia que também precisa ser avaliada é focar no que devemos comer – especialmente mais alimentos naturalmente ricos em fibras. A pesquisa mostrou que adultos que consumiam mais fibras, particularmente fibras solúveis, eram menos propensos a desenvolver demência. Esses achados podem estar relacionados a interações entre o intestino e o cérebro”, afirma a médica nutróloga Dra. Marcella Garcez, professora e diretora da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN). O estudo de larga escala, com mais de 3.500 adultos japoneses, foi publicado na revista Nutritional Neuroscience no começo de fevereiro. Mesmo que o risco de desenvolver demência, incluindo a doença de Alzheimer, seja influenciado pela genética, a alimentação pode ser uma estratégia para modular a expressão dos genes. Alzheimer é uma doença devastadora, caracterizada pela diminuição da cognição e é também a forma mais comum de demência, sendo responsável por 70 a 80% dos casos de demência no mundo, afetando entre 24 a 35 milhões de pessoas no mundo. Devido ao envelhecimento da população, estima-se que 1 em 85 pessoas apresentarão a doença de Alzheimer em 2050.
Segundo estudos, um dos fatores de risco genético mais significativos é uma forma do gene da apolipoproteína E (APOE), que desempenha papel chave no metabolismo de lipídeos, participando do transporte de colesterol das células. Segundo a Dra. Marcella, as fibras também podem ser importantes nesse sentido. A fibra, que é considerada um carboidrato, vem em duas formas: insolúvel (que ajuda você a se sentir satisfeito e estimula ao bom funcionamento do intestino) e solúvel (que ajuda a reduzir o colesterol e o açúcar no sangue). Alimentos que contêm fibras geralmente apresentam uma mistura dos dois, mas grãos inteiros, cereais de trigo e vegetais como cenoura, aipo e tomate contêm principalmente fibras insolúveis. “Boas fontes de fibra solúvel incluem cevada, aveia, feijão, nozes e frutas como maçãs, bagas, frutas cítricas e peras”, diz a médica.
Estão surgindo evidências de que a fibra é importante para um cérebro saudável. O estudo investigou isso usando dados coletados de milhares de adultos no Japão para um grande estudo que começou na década de 1980. Os participantes completaram pesquisas que avaliaram sua ingestão alimentar entre 1985 e 1999. Eles eram geralmente saudáveis e com idade entre 40 e 64 anos. Eles foram acompanhados de 1999 até 2020 e foi observado se eles desenvolveram demência que exigia cuidados. Os pesquisadores dividiram os dados, de um total de 3.739 adultos, em quatro grupos de acordo com a quantidade de fibra em suas dietas. “Eles descobriram que os grupos que ingeriram níveis mais altos de fibra tiveram um risco menor de desenvolver demência”, conta.
A equipe também examinou se havia diferenças para os dois principais tipos de fibra: fibras solúveis e insolúveis. “As fibras solúveis, encontradas em alimentos como aveia e leguminosas, são importantes para as bactérias benéficas que vivem no intestino, além de fornecer outros benefícios à saúde. As fibras insolúveis, encontradas em grãos integrais, vegetais e alguns outros alimentos, são conhecidas por serem importantes para a saúde intestinal. Os pesquisadores descobriram que a ligação entre a ingestão de fibras e a demência foi mais pronunciada para as fibras solúveis”, explica a médica.
Os pesquisadores têm algumas ideias sobre o que pode estar por trás da ligação entre a fibra alimentar e o risco de demência. “Os mecanismos são atualmente desconhecidos, mas podem envolver as interações que ocorrem entre o intestino e o cérebro. Uma possibilidade é que a fibra solúvel regule a composição das bactérias intestinais. Essa composição pode afetar a neuroinflamação, que desempenha um papel no início da demência. Também é possível que a fibra dietética possa reduzir outros fatores de risco para demência, como peso corporal, sangue pressão arterial, lipídios e níveis de glicose. O trabalho ainda está em estágio inicial e é importante confirmar a associação em outras populações”, completa a médica.
Em muitos países hoje, como Brasil e EUA, muitas pessoas consomem menos fibras do que o recomendado. “Ao incentivar hábitos alimentares saudáveis com alto teor de fibra alimentar, pode ser possível reduzir a incidência de demência”, finaliza a médica.
Fonte: assessoria de imprensa