O Ministério da Saúde anunciou no início desta semana a assinatura de um acordo voluntário com a indústria de alimentos que prevê a redução do açúcar na formulação de alimentos ultraprocessados no país até 2022. A medida vem sendo amplamente divulgada, com entusiasmo, mas é preciso bastante cautela.
“Consideramos que este tipo de acordo voluntário é pouco eficaz em gerar impactos positivos na saúde pública. Experiências e dados nacionais e internacionais nos mostram que essa não é a melhor estratégia na promoção de hábitos alimentares mais saudáveis”, diz Ana Paula Bortoletto, nutricionista do Idec.
Um dos pontos de atenção diz respeito às metas estabelecidas pelo acordo. Essas metas são calculadas de acordo com o teor máximo de açúcar em cada categoria de alimento. Isso quer dizer que haverá uma redução nos valores excessivos de açúcar – o que não quer dizer que estarão sendo promovidos índices saudáveis do nutriente. “Na prática, apenas o excesso do excesso do açúcar vai ser eliminado de algumas marcas que nem sabemos o quanto representam no mercado. Na verdade, a maior parte dos produtos já tem menos açúcar do que a meta estabelecida pelo acordo”, pontua Bortoletto. “Ou seja, os benefícios serão muito modestos e não vão contribuir para uma mudança de hábitos efetiva, se trata apenas de uma redução de danos.”
Outro ponto importante a ser considerado no anúncio recente do Ministério da Saúde é o caráter voluntário, que não envolve consequências econômicas, administrativas ou legais para os fabricantes. No Reino Unido, por exemplo, após alguns anos da assinatura de um acordo semelhante para a redução de sódio, houve um aumento da presença desse nutriente por falta de fiscalização e monitoramento adequados. “Por outro lado, na Argentina e em Portugal, que reduziram de forma obrigatória o sódio no pão de padaria, os resultados são muito mais consistentes”, explica a nutricionista.
Desde 2011, diversos acordos voluntários foram assinados com o objetivo de reduzir o uso de sódio no Brasil. Cerca de 30 categorias da indústria alimentícia adotaram a medida, entre eles os setores de carnes e lácteos.
O Idec realizou uma série de pesquisas para monitorar o cumprimento das metas incluídas nos acordos. Em uma avaliação feita com base nos anos de 2011 até 2014, foi constatado que o valor estipulado era muito baixo e ineficiente, pois grande parte dos produtos envolvidos apresentavam a quantidade de sódio dentro da meta para ser reduzido ou estavam muito próxima de atingi-la
O açúcar no Brasil
O Brasil é o quarto maior consumidor de açúcar do mundo. Apesar da recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que esse nutriente corresponda a, no máximo, 10% de todas as calorias ingeridas diariamente (idealmente, espera-se que corresponda a apenas 5%), o brasileiro atinge a marca de 16,3%. Entre outros, o consumo de açúcar está associado ao desenvolvimento doenças como cáries, diabetes, obesidade e problemas do coração.
Conforme identificou a última POF 2008-2009 (Pesquisa de Orçamentos Familiares) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), apesar de o açúcar refinado, ou o “açúcar de mesa”, ser a principal fonte do consumo dessa substância, essa tendência tem diminuído, enquanto tem crescido o consumo de açúcares adicionados a alimentos e bebidas pela indústria alimentícia em produtos ultraprocessados, como bebidas açucaradas, balas, biscoitos e chocolates.
Em julho deste ano, o Idec publicou uma pesquisa que investigou a média do açúcar total em alimentos processados e ultraprocessados. Comparando os valores médios de açúcar encontrados nos produtos com as metas estabelecidas, notamos que os valores são maiores para todas as categorias analisadas:
- Néctares: 9,9 g por 100 ml – meta para 2022: 10,5 g
- Biscoitos tipo Maisena 19,8 g por 100g – meta para 2022: 22,8 g
- Biscoito tipo Wafer: 32,2 g por 100g – meta para 2022: 38,4 g
Medidas eficazes
Para que, de fato, haja o desestímulo ao consumo destes e de outros produtos altos em açúcar e ainda ocorra a sua reformulação pela indústria, são necessárias medidas que favoreçam escolhas mais saudáveis por parte do consumidor. A rotulagem nutricional de advertências, que inclui um alerta na parte da frente das embalagens indicando a presença em excesso de açúcar e outros nutrientes críticos nos produtos alimentícios, é fundamental. Assim como aplicar medidas fiscais para aumentar o preço dos produtos ultraprocessados, restringir a publicidade de alimentos voltada para crianças e a venda de alimentos não saudáveis dentro do ambiente escolar. Todas essas medidas são defendidas por organismos internacionais, como a OMS (Organização Mundial da Saúde) e a ONU (Organização das Nações Unidas).
Fonte: Idec