O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) enviou na última semana uma notificação ao Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) exigindo transparência e publicização dos processo internos que motivaram o pedido de revisão urgente do Guia Alimentar para a População Brasileira encaminhado como nota técnica ao Ministério da Saúde.
Para o Instituto, os argumentos apresentados na nota do Mapa não possuem evidências científicas suficientes nem argumentos legais. Além disso, o Guia é uma política pública consolidada no âmbito de atuação e da competência do Ministério da Saúde, que por meio dele cumpre o dever do Estado brasileiro de promover, atendendo o princípio da unidade, a saúde e orientar políticas públicas para a alimentação adequada como direito fundamental do ser humano.
O Idec também está comunicando esse fato à Consumers International, que faz parte da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e congrega as maiores associações de consumidores do mundo, atuando globalmente em prol da alimentação saudável.
Teresa Liporace, diretora executiva do Idec, destaca que os registros dos processos da elaboração e concepção do Guia Alimentar demonstram que sua realização é historicamente pautada nas mais consolidadas e mais atuais evidências científicas, livre de conflitos de interesses e pautada na concretização do interesse público.
“Portanto, nos interessa que sejam tornadas públicas as motivações e os interesses que estão escamoteados em uma cortina de fumaça. O mesmo ministério que se apresenta ao mercado internacional como contrário aos crimes ambientais e queimadas ataca de forma leviana uma política pública de saúde”, afirma.
Na nota técnica, o coordenador-geral Eduardo Mello Mazzoleni e o diretor de análises econômicas e políticas públicas Luís Eduardo Pacifici Rangel, do Mapa, afirmam que o documento deve ser revisto, pois apresenta “uma classificação confusa, incoerente, que impede ampliar a autonomia das escolhas alimentares”. Além disso, dizem ser “algo cômico” a forma como o Guia diferencia os alimentos ultraprocessados por meio da contagem do número de ingredientes.
A classificação citada no posicionamento é a NOVA, que divide os alimentos em quatro categorias: alimentos in natura e minimamente processados, ingredientes culinários, alimentos processados e ultraprocessados. Não é a primeira vez que o documento do Ministério da Saúde sofre ataques. Há anos a indústria de alimentos vem se posicionando contra o Guia em eventos e por meio da imprensa. Contudo, esta é a primeira vez que um órgão federal se coloca a favor da mudança.
“As justificativas apresentadas são duas referências bibliográficas que já foram desacreditadas publicamente por não citarem a classificação NOVA e por terem declaração de conflitos de interesses com o tema. Ou seja, foram financiadas pela própria indústria de alimentos”, afirma Patrícia Gentil, nutricionista do Idec.
Sem embasamento científico
O Guia Alimentar para a População Brasileira, lançado em 2014, foi conduzido pelo Ministério da Saúde de uma forma participativa envolvendo diversos setores da sociedade, do governo e universidades, incluindo colaboradores técnicos da OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde) e do Nupens/USP (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo), citados como referências internacionais e reconhecidas por publicações e documentos oficiais da OCDE.
O Guia Brasileiro é reconhecido internacionalmente por organismos como o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), a OMS (Organização Mundial da Saúde) e a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) como um dos melhores guias alimentares do mundo, além de servir de inspiração para os guias de diversos países das Américas e da Europa.
“O Mapa se posiciona de forma leviana desconsiderando a expertise e a missão institucional do Ministério da Saúde que é responder pela Saúde Pública do País. Além disso, os dados de aumento da prevalência de sobrepeso e obesidade e das outras DCNTs (doenças crônicas não transmissíveis) são alarmantes. A cada ano há 1 milhão de casos novos de adultos obesos no Brasil. As DCNTs são a causa de 73% da mortalidade do País”, destaca.
Nos últimos 10 anos, a literatura nacional e internacional têm demonstrado todas as evidências científicas sobre os efeitos dos alimentos ultraprocessados na saúde das pessoas. Ainda este ano, também foi publicado pelo National Institutes of Health (Instituto Nacional de Saúde), o maior centro de pesquisas em saúde do mundo, um ensaio clínico controlado sobre dietas ultraprocessadas que confirmou a relação direta do consumo desses alimentos com aumentos acentuados na ingestão de calorias e no ganho de gordura corporal.
Organizações manifestam