Você já parou para pensar no que estamos perdendo ao jogar fora parte dos alimentos? Talvez até agora isso não tenha feito parte da sua realidade, mas com o atual cenário econômico, em que os alimentos acumulam altas expressivas mensais, e o poder de compra está cada vez mais reduzido, a solução é pesquisar não só os melhores preços, mas também como aproveitar integralmente os alimentos. “O Aproveitamento Integral dos Alimentos, além de ser uma estratégia de economia, também é capaz de aumentar a densidade nutritiva das preparações alimentares, auxiliar no combate à fome, e ainda reduzir a quantidade de lixo produzido, por meio da utilização total do alimento e de todas as suas partes, como as cascas, folhas, sementes e talos, que geralmente são desprezados, apesar de ricos em nutrientes”, explica a médica nutróloga Dra. Marcella Garcez, diretora e professora da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN).
Segundo dados de abril do Indicador Ipea de Inflação por Faixa de Renda, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, no segmento de renda muito baixa, o aumento dos preços dos alimentos no domicílio fez com que o grupo “alimentação e bebidas” respondesse por 61% de toda a inflação apurada em abril, com destaque para as altas do arroz (2,2%), feijão (7,1%), macarrão (3,5%), batata (18,3%), leite (10,3%), frango (2,4%), ovos (2,2%), pão francês (4,5%) e óleo de soja (8,2%). A segunda maior contribuição para a inflação desse segmento veio do grupo “saúde e cuidados pessoais”, ancorada pela alta de 6,1% dos medicamentos. “Aliás, o aproveitamento integral dos alimentos não é um conceito que deve ser aproveitado somente em momentos de alta dos preços. O não desperdício deve ser realizado no dia a dia por qualquer pessoa, em qualquer faixa de renda, porque traz excelentes nutrientes para o organismo. Muitas fibras, antioxidantes e micronutrientes estão presentes nessas partes de alimentos que são, geralmente, desprezadas. Esses nutrientes estão relacionados com a boa saúde metabólica, prevenindo diversas doenças, inclusive o câncer”, acrescenta a médica.
Segundo a diretora da ABRAN, é um hábito cultural dos brasileiros jogar fora sementes, cascas e talos. “Além disso, por conta de modismos ou má informação, muitas pessoas desperdiçam parte dos alimentos, por acreditarem que são gordurosas ou não fazem bem. Um exemplo é a gema do ovo. Muitos praticantes de atividade física utilizam somente a clara do ovo, já que ela é rica em albumina, uma proteína de origem animal com alto valor biológico e de baixa caloria.
Mas todos os outros nutrientes dos ovos estão nas gemas, como metade das proteínas, vitaminas, minerais, ácidos graxos e carotenoides, responsáveis pela sua coloração e benéficos à saúde particularmente por sua ação antioxidante. É importante salientar, também, que a composição total do ovo, com a gema e a clara, tem melhor digestibilidade. Além disso, não é fato que o consumo é responsável pelo aumento do colesterol sanguíneo. Na verdade, a própria gema contém uma substância, chamada lecitina, que interfere na absorção do colesterol, funcionando quase como um antídoto”, explica a médica. Abaixo, a especialista mostra como aproveitar partes dos alimentos:
Talos – Se você comprou couve, agrião, beterraba, brócolis, salsa entre outros, nem pense em jogar fora os talos. “Eles contêm fibras e podem ser ingeridos refogados, na sopa, no feijão e até em patês. Em comparação à folha, o talo das couves (couve manteiga e couve-flor) tem três vezes mais Vitamina C. No caso do agrião, ele também contém ferro, cálcio e vitamina C, ingredientes importantes para a síntese de DNA, metabolismo energético, saúde dos ossos e dos tecidos, e sistema imune”, explica a médica. “O espinafre, por exemplo, quando cozido pode ser aproveitado em sua integralidade. Eles são tão nutritivos ou mais do que as folhas, por serem ricos em fibras, minerais, vitaminas e antioxidantes como os polifenóis.”
Folhas de cenoura – Ricas em ferro, magnésio, ferro, zinco, vitamina K, vitamina C e antioxidantes. “Elas podem ser aproveitadas em salada, refogadas, em sopas e até outras preparações. Por suas propriedades importantes, ela colabora para a saúde cardiovascular, evita inflamações e problemas neurodegenerativos”, conta a nutróloga.
Água de cozimento – Segundo a médica, é comum que se jogue fora a água do cozimento das batatas, beterraba, cenoura, entre outros. “Nesses casos, é importante o aproveitamento, uma vez que essa água concentra vitaminas hidrossolúveis, que podem enriquecer purês, arroz e gelatinas. No caso dos tubérculos, como as batatas e a mandioca, a água do cozimento conta com amido resistente, um tipo de carboidrato altamente benéfico que resiste a ação das enzimas digestivas. Como não é digerido, esse amido retarda o esvaziamento gástrico e aumenta a sensação de saciedade. Além disso, ele tem ação prebiótica, alimentando as bactérias do bem do nosso intestino. Alimentos prebióticos têm sido apontados, em diversos estudos, como fundamentais para a manutenção da saúde imunológica, cardiovascular, cerebral e até da pele, devido à conexão da microbiota intestinal com diversos órgãos do corpo”, destaca a médica.
Cascas – Fique de olho nas cascas de frutas e tubérculos. “As cascas da batata e da mandioquinha podem ser assadas em forno e servidas como aperitivo. Uma batata cozida com casca pode conter até 175% a mais de vitamina C, 115% a mais de potássio, 111% a mais de folato e 110% a mais de magnésio e fósforo do que uma descascada. Só aí já percebemos o riquíssimo valor nutrológico da casca da batata. A casca de mandioquinha contém fibras em abundância”, diz a médica. No caso das frutas, maçã, pera e goiaba contam com fibras que melhoram o trânsito intestinal, mas é importante olhar também para aquelas cascas que mais costumamos desperdiçar: do abacaxi, da laranja, de limão, de banana e de manga. “Todas essas cascas são ricas em fibras. A casca do abacaxi pode ser usada para fazer sucos e as cascas da banana, laranja também risca em cálcio) e limão são ótimas para bolos. O reaproveitamento menos tradicional é o da casca da manga, mas ele é também muito importante.
A casca da manga contém vitaminas A e C, que melhoram a saúde da pele e fortalecem o sistema imunológico, mas não é só isso. Por ser rica em fibras, melhora o funcionamento intestinal e ajuda na saciedade. Uma das preparações possíveis é um creme de casca de manga, que pode ser feito com 2 xícaras de chá de casca de manga picadas, 2 xícaras de chá de leite, 1 xícara de chá de açúcar ou adoçante, meia xícara de chá de leite de coco e duas colheres de sopa de amido de milho. O modo de preparo consiste em bater no liquidificador os ingredientes líquidos com as cascas de manga picadas, e depois misturar na panela com os ingredientes secos, mexendo em fogo baixo até engrossar”, sugere a médica nutróloga.
Entrecascas – Você já reparou naquelas partes brancas que existem entre as cascas das frutas e o seu “recheio”? Frutas como melancia, melão e maracujá contêm entrecascas, que são ricas em fibras e potássio. “Elas podem ser usadas no preparo de doces e até recheios salgados, como preparação de massas e arroz”, diz a médica.
Sementes – Acredite, as sementes das frutas fazem um bem que você nem imagina. “Se você procura nos mercados as uvas sem sementes, saiba que elas são consideradas transgênicas e apresentam menor teor de antioxidantes. Isso acontece porque a semente da uva conta com boas doses de resveratrol, um poderoso antioxidante, e substâncias protetoras como magnésio, zinco e cálcio. Além disso, elas são fontes de fibras, vitamina C e E, flavonoides e proantocianidinas, elemento responsável pelo combate dos radicais livres”, conta a médica. Outra fruta que geralmente desprezamos as sementes é o maracujá. “Ela é rica em compostos polifenólicos, substâncias que protegem as células de danos causados por radicais livres, então devemos sim consumi-las”, diz a médica.
Mas o “crème de la crème” fica por conta das sementes de mamão, melão e melancia. “As sementes de mamão são muito nutritivas, porque possuem papaína e carpaína, duas poderosas substâncias que combatem parasitas, atuando como antibacteriano e anti-inflamatório, além de funcionarem como detoxificante, inclusive melhorando o funcionamento do intestino e ajudando a tratar casos de constipação. No caso da semente de melão, ela costuma ser pouco aproveitada, mas é rica em proteína vegetal, gorduras boas, fibras, magnésio e ômega-3; essa composição é altamente benéfica para proteger a saúde do coração e até ajudar no ganho de massa magra. As sementes de melão podem ser consumidas cruas, tostadas e temperadas como aperitivo, mas também podem ser transformadas em leite, já que ela é rica em cálcio.
Para fazer esse leite, é só lavar uma xícara de sementes em água corrente, depois envolvê-las em papel toalha (ou em um pano) para tirar o excesso de umidade, conservando por três dias na geladeira. Em seguida, é só bater no liquidificador com o dobro da quantidade de água (duas xícaras) e coar”, explica a médica. Esqueça também aquela ideia de comer melancia e ‘expelir’ as sementes. “Elas contam com proteínas, vitaminas, ácidos graxos, magnésio, zinco, cobre, potássio, ômega 3 e ômega 6. Esses componentes trazem muitos benefícios à saúde, incluindo a regulação do metabolismo e a redução dos níveis de açúcar no sangue. As sementes de melancia podem ser consumidas diretamente da fruta, batidas no liquidificador ou secas e tostadas sem casca preta que as reveste, e temperadas”, explica a médica.
Pé e pescoço de galinha – Usados em caldos e sopas, os pés e pescoço de galinha têm boa concentração de nutrientes, incluindo colágeno, proteínas, glucosamina e condroitina. “Suas proteínas são compostas prioritariamente de tecidos conjuntivos feitos de colágeno, ossos, pele, cartilagens e tendões, portanto o consumo dessa parte do frango tem benefícios muito particulares”, explica a Dra. Marcella Garcez.
Cabeça de peixe – Usado para fazer pirão, uma preparação feita a partir do caldo do cozimento do peixe, em que são adicionados temperos e, por fim, farinha de mandioca. “O caldo de peixe fornece boas gorduras, vitaminas e minerais, excelente para o bom funcionamento do cérebro”, diz a médica.
Outras dicas para economizar
Segundo a médica nutróloga, mesmo nesse momento de alta nos preços dos alimentos, devemos procurar ao máximo manter hábitos alimentares saudáveis. “As proteínas são essenciais para um hábito alimentar equilibrado e as carnes foram um dos itens que mais tiveram seus preços majorados. Porém fazem parte do grande grupo das proteínas, além das carnes, os ovos, os laticínios e as proteínas vegetais presentes nas leguminosas como feijões, ervilhas, lentilhas, grão de bico e soja. Quanto às carnes, para continuar consumindo sem gastar muito, além de escolher cortes bovinos mais baratos, optar por carnes de frango, suína e até mesmo de peixe como a tilápia e a sardinha. Lembrando sempre que as melhores opções são os cortes mais magros”, diz a médica. “Não há necessidade de consumir carnes em todas as refeições ou mesmo todos os dias, portanto bons substitutos para as carnes são os ovos, os queijos magros e as proteínas vegetais, um bom exemplo é a nossa brasileiríssima combinação de feijão e arroz que fornece todos os aminoácidos essenciais ao organismo e se o arroz for integral, ainda contribui sobremaneira para o aporte de fibras diárias necessárias. Todas essas opções são mais baratas que a carne bovina e ainda trazem benefícios à saúde”, diz a médica.
Os laticínios, de acordo com a especialista, têm grandes variações entre as marcas e tanto iogurtes como queijos, podem ser encontrados com preço mais acessível, apenas com a troca de marca do produto. “Os vegetais e frutas, que devem estar presentes na dieta diariamente, podem ser comprados com preços mais acessíveis nos mercados e sacolões, sempre optando pelas variedades da época e por aquelas que estão em oferta. Como esses alimentos são frescos, é necessário cuidado e planejamento quanto às quantidades, prazo de consumo e armazenamento, para evitar desperdícios”, diz.
No entanto, os produtos industrializados ultraprocessados, como os salgadinhos de pacote, macarrões instantâneos, bolachas recheadas e refrigerantes, apesar do preço aparentemente acessível e do aporte de calorias, não são boas opções para compor a rotina alimentar, segundo a médica. “Eles devem entrar no cardápio muito esporadicamente, pois além de impactarem negativamente o orçamento, ainda causam malefícios à saúde”, explica. Para matar a sede, sempre a melhor e mais barata opção é tomar água natural!
FONTE: *DRA. MARCELLA GARCEZ: Médica Nutróloga, Mestre em Ciências da Saúde pela Escola de Medicina da PUCPR, Diretora da Associação Brasileira de Nutrologia e Docente do Curso Nacional de Nutrologia da ABRAN. A médica é Membro da Câmara Técnica de Nutrologia do CRMPR, Coordenadora da Liga Acadêmica de Nutrologia do Paraná e Pesquisadora em Suplementos Alimentares no Serviço de Nutrologia do Hospital do Servidor Público de São Paulo. Além disso, é membro da Sociedade Brasileira de Medicina Estética e da Sociedade Brasileira para o Estudo do Envelhecimento. Instagram: @dra.marcellagarcez